quarta-feira, 2 de abril de 2008

Lira Paulistana

Em reportagem da Veja desta semana, a revista divulgou poemas e letras de músicas que foram censuradas pela ditadura militar nos anos 70. Mas os motivos das censuras divulgadas pela reportagem não foram os políticos, “comuns” na época, e sim motivos estéticos, de “bom gosto”. E pelo “bom gosto” do regime militar, ganham destaque na reportagem os censurados Mário de Andrade, Adoniran Barbosa e Lupicínio Rodrigues.

Algumas das justificativas recolhidas pela Veja são das mais absurdas. A música Bicho de Pé, de Lupicínio Rodrigues (“Vivia sozinha num ranchinho velho feito de sopapo”), ganhou o veto pelos seguintes motivos: “A falta de inspiração leva o autor a poetizar um bicho-de-pé, colocando elemento subdesenvolvido como exemplo do caráter feminino”. Absurdamente neste nível é a justificativa da censura da música Tiro ao Álvaro, de Adoniram Barbosa. Após circular, na letra de sua música, as palavras “tauba”, “artomorve” e “revorve”, complementou o infortúnio com os dizeres: “A falta de gosto impede a liberação da letra”. Adoniran, que nunca teve militância política, tinha suas letras vetadas única e simplesmente por utilizar uma linguagem coloquial e cometer propositais erros de gramática entre os versos.

Mas, para os amantes da obra de Mário de Andrade, como esse novato blogueiro, a indignação fica por conta do veto de um de meus poemas favoritos do Mário. Reproduzo aqui o poema Lira Paulistana:

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem,
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus,
Adeus.


A justificativa da censura é essa: "Não é possível! Quanta falta de preparo, assunto, gosto e tudo...".

Realmente...
Salve Mário!

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