sexta-feira, 3 de outubro de 2008




Caminhava em direção ao armário com a intenção de organizar a desordem, posto que, no dia seguinte, estava de partida daquela cidade. Um barulho esquisito me fez interromper o trajeto: Era a campainha. Mais surpresa do que curiosa, fui atendê-la. Ao abrir a pesada porta de madeira jatobá, um funcionário do hotel ali estava. Imediatamente o identifiquei, pois estava devidamente uniformizado, seu braço encontrava-se estendido e a mão aberta, em gesto típico no qual os funcionários pedem gorjeta. Perplexa, pensei: “Gorjeta de quê?”, “Nem o solicitei aqui”. Indaguei:

- Pois não?
O rapaz respondeu:
- Com sua licença, senhorita, mandaram entregar-lhe.
Mal notara: Em sua mão havia um envelope, justifica-se aí a razão da posição de gorjeta.
- A mando de quem?
- Perdão, senhorita, o rapaz pediu segredo.
Certamente ele não revelaria o remetente, uma gorda gorjeta o silenciara.
- Pois bem, agradecida. E tratei de fechar a porta.

Ora, rapaz? Bilhete de um rapaz? Mal andei de papo com alguém deste lugar.
Minha apreensão só fez aumentar quando olhei para a carta que em minha mão estava: Um envelope velho, já outras vezes utilizado. O aspecto velho do papel só o tornou ainda mais misterioso, de modo que me guiei até a cama, com a intenção de o quanto antes desvendar o conteúdo da misteriosa carta.
Acomodei-me sobre a cama, com demasiada pressa abri o tal envelope e, de seu interior, retirei uma folha de papel. O papel estava escrito a punho, tinta preta, letras cursivas meio trêmulas. Seus escritos assim diziam:


“Amaralina, 22 de dezembro de 1958


Perdoe-me invadir assim seu quarto, por meio desta carta, é que coisas assim acontecem uma vez em vida, e não posso deixá-la escapar.
A vi aqui chegar, em um carro branco, cheio de bagagens. Por Deus! Como estava linda, senhorita! Senti algo diferente, que jamais havia sentido anteriormente, ao vê-la descer do carro, segurando a saia de seu vestido azul, olhando para o hotel, com semblante cansado.
Pois bem. Desde então, não consegui pensar em outra coisa, a não ser na formosa morena que aqui se encontra. E hoje, com pensamentos voltados em ti, perguntei a um funcionário (que fez a gentileza de entregar-lhe estas linhas), o quarto em que estavas e o dia em que partias. Logo, ele disparou: “A moça parte pela manhã”.
“Faça não!” Pensei: “Hei de falar com ela, não posso deixá-la partir”.
Conto-lhe que, a cerca de 3 horas atrás, ocorreu uma prova irrefutável de covardia masculina. Ao lhe ver na entrada do hotel, onde estamos hospedados, parti em sua direção, com o intuito de lhe dizer tudo que sinto. Quando estava quase a ponto de tocar-lhe o ombro e, finalmente, ver estes olhos castanhos voltarem-se para mim, comecei a tremer, suar e vi minha face se corar por inteira, a ponto de, até este momento, em que lhe escrevo, estar me sentindo calorento e trêmulo. Isso é de se zombar!
Após este ato de excessiva timidez, resolvi lhe dizer tudo o que queria através destas linhas, mal traçadas e mal escritas, mas justificáveis: Escrevo trêmulo e com pressa, na tentativa de adiar sua partida.
Senhorita! Suplico-lhe: Me dê a oportunidade de conhecê-la!
Apesar desta abusada atitude que cometi, de lhe invadir o quarto, lhe invadir os olhos e a paciência, assim agi por desespero. Sou gentil e educado, prometo não abusar mais do que das palavras!
Mas, se por um acaso, por algum motivo irreversível sua resposta for negativa, lhe peço: Deixe-me escrever mais para ti! Deixe-me seu endereço, quero lhe enviar cartas e mais cartas, frases e mais frases, linhas e mais linhas, versos e mais versos. Assim, desafogo o peito!

Para a morena que encantou e me tomou por inteiro,
Com as mãos trêmulas e o pensamento firme,
Fernando.”


“E essa!” Pensei, após recuperar o fôlego.
Levantei-me da cama, zonza (as palavras do rapaz, que agora sabia que se chamava Fernando, caíram como uma pancada em sua cabeça), segui até a porta pesada de madeira jatobá, chamei o mesmo funcionário que me havia entregue a carta, e lhe disse: “Cancele minha partida”, e logo obtive a resposta: “Sim, senhorita, com a rapidez de costume”.
Tratei de fechar a porta, sentei novamente sobre a cama, re-li a carta e pensei: “Como será Fernando?”.

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